quarta-feira, 6 de novembro de 2013

PERMANECIA PRESO COM A CHAVE DA CELA NA MÃO

Tabajara era um senhor magro, escuro, bem puxado na cor, cabelo carapina e solteiro. Difícil atribuir-lhe uma idade, por conta da minha criancice, mas, com certeza, já cravava uns 45 pregos nas botinas da vida. Falava pouco e tinha uma relativa cultura, superior à média das pessoas que viviam da “roça”.

Esta relativa cultura adquiriu através de uma rotina bastante curiosa. Trabalhava durante o dia e, à noite, dedicava-se à leitura, tendo como assistente o seu gato de estimação. Chegava ao rancho, pinchava as botinas, banhava-se e comia o que tivesse. Tomava de um livro, geralmente bastante orelhudo, o que se poderia imaginar quantas vezes aquele volume tivera sido manuseado, depositava-o sobre um porta-livro, ajeitava um candeeiro à querosene, arrastava um assento e punha-se a ler com aquela luz mortiça até altas horas. Bastava Tabajara conduzir o candeeiro à mesa, o gato saltava e ficava à meia distância entre o candeeiro e o porta livro. Com os olhos voltados ora ao candeeiro ora ao amigo, ronronava pacientemente até o fim da leitura. Bastava o amigo se levantar, o gato saltava da mesa e cada qual procurava desempenhar suas tarefas noturnas. A curiosidade iria se repetir no dia seguinte. Era impressionante a dedicação que um tinha para com o outro.

Pois bem! Tabajara trabalhava na propriedade do Jacobina e tinha como tarefa produzir  carvão vegetal. Um sujeito bom, honesto e responsável, gestos bem educados, mas tinha um lamentável defeito. De tempos em tempos vinha à cidade metia-se na tiorga e não se contendo, bebia mais que seu fígado pudesse descompilar. Nessas ocasiões ficava fora de si e falava o que não devia. Mostrava valentia, tentando bater em quem lhe atravessasse o caminho; insultava os cavalheiros, desejava a mulher do próximo; arrolava palavrões, e acabava dormindo no xadrez.

A cadeia, construída de madeira, ficava no lado direito da av. Rio Branco subesquina com a rua da igreja católica. Foram tantas as visitas obrigatórias ao xadrez que o delegado, amigo de Jacobina, somente avisava no dia seguinte que o tal sujeito novamente lá dormira. Lá se ia o patrão responsabilizar-se pelo tal funcionário reincidente.

O delegado, atarantado com outras querelas, deixava a chave da cela e, às vezes, da cadeia, com o próprio preso. A cena era no mínimo curiosa! Permanecia dentro da cela preso com a chave da cela na mão, esperando alguém para soltá-lo. Ao ver o Jacobina, o reincidente, acabrunhado, apressava-se a abrir a cela, entregava a chave ao patrão e partia cabisbaixo. Jacobina ainda tinha o trabalho de devolver as chaves ao delegado.

E.T. – Papai tivera que dispensar o funcionário. A última notícia é que teria se internado num asilo em Paranavaí e de lá partiu para sua derradeira moradia.
  ( Texto e conto de Gesoaldo Maia Oliveira )

ALIMENTE O HAMSTER